Um espaço para compartilhar ideias e informações sobre Educação Infantil

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segunda-feira, 9 de abril de 2012

A PALAVRA E O MUNDO


Nesta entrevista, as pesquisadoras Patrícia Cândido e Isabele Veronese falam sobre como se desenvolve a proposta do Projeto Ciranda na área de linguagem.
  • Patrícia Cândido é coordenadora pedagógica do Projeto Ciranda e autora de Linguagem e Escrita.
  • Isabele Veronese é especialista em Língua Portuguesa pela PUC-SP e formadora de linguagem oral e escrita do Projeto Ciranda.
Como se dá o desenvolvimento da proposta de linguagem do Ciranda? De que princípios ela parte?
  • Patrícia e Isabele: Entendemos a linguagem como todas as formas de comunicação e expressão: a arte, os sinais, os símbolos, a fala e a escrita. Esse princípio nos levou a pensar uma proposta que contempla a linguagem nos três eixos que a compõem: a oralidade, a escrita e a leitura – não limitando-a ao estudo do código linguístico – letras, palavras, frases. O aprendizado da linguagem precisa ser entendido como algo ligado às necessidades e possibilidades da criança e, não apenas a uma organização estanque de conteúdos.

  • A criança desenvolve a linguagem à medida que sente a necessidade de utilizá-la para comunicar e expressar sentimentos e desejos. A criança precisa ser inserida em situações de comunicação, de escrita e de leitura nas quais ela reconheça a função comunicativa e expressiva da linguagem, bem como a diversidade de possibilidades de seu uso.
O que é um “ambiente alfabetizador”?
  • Patrícia e Isabele: A transformação do espaço escolar em ambiente alfabetizador contribui para que essas situações de comunicação sejam construídas na escola. Por exemplo, ao escrever a rotina ou a lista de nomes da turma, ao preencher o calendário ou definir os ajudantes do dia, a criança entende que a linguagem serve para organizar as atividades do dia a dia. Ao ler uma parlenda, seja no livro ou no anexo do professor, e depois ao brincar com essa parlenda, a criança nota que a linguagem serve também para divertir. 

  • Ao relatar aos colegas o que fez no fim de semana, a criança descobre que a linguagem serve para informar, para narrar fatos. Em outras palavras, o “ambiente alfabetizador” caracteriza-se pela exploração da linguagem no espaço escolar. Há livros ao alcance das crianças, textos fixados nas paredes, brincadeiras dentro e fora da sala de aula, leitura diária, rodas de conversa etc. Uma infinidade de situações que levam a criança a um universo no qual a imaginação e a experiência reinventam a linguagem diariamente.
No Projeto Ciranda, como fica a questão da ortografia e do erro ortográfico?
  • Patrícia e Isabele: Recordemos a máxima de Paulo Freire: “A leitura do mundo precede a leitura da palavra. E esta permite a continuidade daquela.” Ou seja, partimos das vivências e experiências da criança – leitura de mundo – para que ela possa aprender outras possibilidades de comunicar e expressar ideias, sentimentos, desejos – leitura da palavra.

  • Para ampliar a capacidade de comunicação da criança, apresentamos a ela diversos códigos empregados na comunicação, dentre eles a linguagem verbal. Isso significa que a criança terá de refletir sobre a estrutura e o funcionamento da língua, inclusive a escrita correta das palavras. Não abandonamos, em hipótese alguma, o ensino da norma padrão da língua portuguesa, uma vez que esse ensino é uma das tarefas confiadas à escola.

  • No entanto, o como ensinar a norma padrão e, especificamente, a ortografia é que trará algumas mudanças em relação às concepções tradicionais. Se tomarmos a lista de regras, pautada na gramática tradicional, para ensinar ortografia, veremos que temos tantas regras quantas são também as exceções. Não ajudaremos a criança a escrever corretamente as palavras se as regras aprendidas não puderem ser aplicadas às situações de escrita das quais a criança participa. Assim, precisamos tomar outros rumos.

  • A criança deve arriscar uma hipótese, ou seja, escrever uma palavra, ter a oportunidade de compará-la à escrita convencional – consultar o dicionário, observar essa palavra escrita em outro texto – perceber o erro e ter oportunidade de corrigi-lo. Essas etapas valorizam a reflexão sobre a língua e a escrita ortográfica convencional. Propomos também outras estratégias, tais como comparar a escrita entre as crianças, produzir listas de palavras e corrigi-las coletivamente, oportunidades que não reforçam o erro, tampouco enfatizam a aprendizagem mecânica e segmentada. A escrita ortográfica merecerá espaço nas reflexões da criança depois que ela estiver alfabetizada.