A relação entre
a criança e o uso de tecnologia está na ordem do dia, bem como na pauta dos
debates das famílias, das escolas, especialistas e pesquisadores que atuam em
uma diversidade de campos de estudos relacionados a infância.
E, de fato, é
preciso colocar luz sobre essas discussões e ampliá-las, pois as tecnologias
vieram para ficar e, no momento atual, já se descortina uma grande mudança
sociocultural, devido as potencialidades de uso das novas tecnologias.
Criança de 3 anos ensina o Bisavó a usar Tablet. |
Como
contribuição, trouxemos algumas conversas interessantes. Vamos ampliar informações
sobre uma pesquisa que, faz pouco tempo, foi citada nas mídias, trazendo um
resultado que fizeram pais e escolas tomarem consciência dessa nova realidade:
crianças sabem mexer em mouse e manusear
tablets, mas estão tendo dificuldade para aprender a amarrar os sapatos e
andar de bicicleta.
E para refletir
melhor sobre o tema, apresentamos a posição de alguns dos mais renomados
especialistas em neurociência e no desenvolvimento da criança.
Tecnologia para crianças de 3 a 6
anos
Se olharmos para
trás, buscando resgatar a história das tecnologias de comunicação, retomamos o fim
do século XIX, com o desenvolvimento do rádio.
Desde então, a introdução de cada nova onda de inovação nos meios de
comunicação, tais como filmes e televisão, gera debates sobre os efeitos da
nova tecnologia, especialmente no que diz respeito as consequências para as
crianças e os jovens. Cada nova tecnologia de mídia trouxe uma
grande promessa para os benefícios sociais e educacionais, e também enorme preocupação
com a exposição das crianças a conteúdos inadequados e prejudiciais.
De fato, estamos
vivenciando o ciclo da história, tendo, dessa vez, como principais focos de
atenção, os Smartphones, os tablets e os notebooks, dentre outros.
Por um lado
tem-se os defensores da informática evidenciando os benefícios sociais e
educacionais de interatividade, desde tenra idade, enquanto outros alertam para
os potenciais danos. Esses são os mesmos aspectos que ecoaram nos debates
em torno da introdução de outros novos meios de comunicação ao longo do século
passado.
Uma pesquisa realizada
com 2200 mães de 11 países, pela empresa AVG Technologies, empresa de segurança a ataques a computadores via internet,
apresentou dados que não são difíceis de serem constatados pelos pais e
escolas, no Brasil, considerando o público que tem acesso as tecnologias: 23% das crianças entre dois e cinco anos conseguem
fazer uma chamada telefônica usando um celular; 66% sabem como ligar um computador;
73% conseguem manipular um mouse e 25% das crianças navegam entre os sites com
facilidade. No entanto, a mesma pesquisa constatou que apenas 11% dessas
crianças conseguem amarrar os cadarços de seus sapatos e 20% conseguem nadar sem
ajuda.
Referindo-se a
essa pesquisa, Sue Palmer, especialista inglesa, Ph.D em desenvolvimento infantil, e uma das
maiores autoridades do Reino Unido sobre alfabetização, afirma que o pais são exemplos
para as crianças e que seus hábitos junto as telas (TV, computador, Smatphone...)
estimulam as crianças a serem igualmente dependentes. Além disso, muitos pais
preferem lidar com soluções rápidas e recompensas fáceis, disponibilizando as
telas em detrimento a incentivar brincadeiras reais, com pessoas reais. Segundo
a Dra. Palmer, a criança precisa aprender a investir no esforço emocional que é
necessário e importante para seus relacionamentos reais.
Enquanto a tecnologia digital amplia nossa
potência cerebral em muitas outras maneiras benéficas, há crescente preocupação
que a introdução de crianças para a aprendizagem digitais muito cedo pode
tornar mais difícil o desenvolvimento de habilidades de alfabetização 'à moda antiga.
(PALMER)
O Dr. Bruce D.
Perry, especialista norte americano, reconhecido como uma autoridade internacional
no desenvolvimento do cérebro e de crianças em crise, em recente entrevista à
revista Early Childhood Today, respondeu
à pergunta “são os cérebros das crianças (com idades entre três a seis anos)
bem adaptados ao uso da tecnologia?” com uma importante explicação sobre
algumas das tendências genéticas do cérebro humano. Segundo Perry, nossos
cérebros desenvolveram capacidades especializadas para a vida em sociedade, para
a comunicação e vários tipos de representações simbólicas.
Nossas culturas
evoluíram por meio de interações sociais, inicialmente sem uma linguagem
escrita. O desenvolvimento da escrita mudou por completo a maneira como os
seres humanos se desenvolveram, em grande parte, influenciando o desenvolvimento
de novas capacidades cerebrais. Segundo ele, a tecnologia é responsável por
esse mesmo movimento, nos tempos modernos. As representações simbólica externas,
tais como as imagens visuais das telas (TV, computador, smartphone, etc.), e complexas videografias tridimensionais são
processadas e armazenadas, atuando no cérebro humano, que não tinha uma
genética específica para a atenção contínua a uma imagem em movimento
bidimensional, por exemplo. Portanto, o cérebro literalmente sofre alterações em
resposta as experiências.
Observa-se que as
colocações do Dr. Perry é consonante com a primeira parte da fala da Dra.
Palmer (veja a citação anterior). No entanto, ele é mais enfático, ao afirmar que as tecnologias modernas são muito poderosas,
porque elas dependem de uma das tendências genéticas mais poderosas que temos -
a preferência para obter informações apresentadas visualmente. Portanto, o
cérebro humano tem um forte viés para informações apresentadas por multimídias.
Como a grande maioria dos programas de computador são visualmente atrativos, eles
tem mais atratividade, mantendo a atenção das crianças.
Telas atrativas |
A partir daqui,
percebemos uma importante diferença entre as falas de Palmer e Perry. Enquanto
a primeira olha para a tecnologia com restrições para aprendizagem na fase de
alfabetização, para o segundo, as tecnologias devem ser utilizadas para
melhorar currículo e experiências para as crianças. As crianças têm de ter
um conjunto integrado e equilibrado de experiências para ajudá-las a crescer e
tornar-se adultos capazes de lidar com
as interações sociais e emocionais, bem como desenvolver as suas capacidades
intelectuais.
Segundo ele,
pais e professores devem agir como facilitadores na aprendizagem das
crianças. Por exemplo, sentar-se juntos e usar cartas de baralho é uma
experiência cognitiva, pois as crianças podem aprender a adicionar, a prever, a
lidar com o ganhar e com o perder, em um ambiente em que ela pode rir! De forma semelhante isto pode acontecer com o
uso das tecnologias emergentes.
A tecnologia pode nos ajudar a ensinar as
crianças, no final, nossas crianças aprendem a partir de nós. [...] Eu acredito que os pais e os professores
podem tirar proveito das qualidades interativas de um computador para melhorar
as experiências disponíveis para as crianças. (PERRY)
Mas Perry
alerta: as tecnologias que beneficiam as crianças são aquelas com amplo potencial
de interatividade, que permitam a criança a desenvolver sua curiosidade, enfrentar
resolução de problemas e habilidades de pensamento independentes. Os
computadores envolvem interação, em contraposição à televisão. As crianças
podem controlar o ritmo e a atividade, fazendo as coisas acontecerem em
computadores. Elas também podem repetir uma atividade quantas vezes
precisar ou quiser.
Entretanto, é
importante observar que o Dr. Perry sustenta que, para realmente se beneficiar
das tecnologias disponíveis, as crianças precisam de experiências da vida real
com pessoas reais.
Eu acho que o equilíbrio e o tempo são as
chaves para o desenvolvimento saudável. Fornecer o direito a diferentes tipos
de experiências no momento certo. [...] Estas tecnologias estão
revolucionando o mundo que nossos filhos vão viver no futuro. Então, nossa
tarefa é a de equilíbrio adequado de habilidades de desenvolvimento com
tecnologias com os princípios fundamentais e as experiências necessárias para
criar filhos saudáveis [...]. Eu acho que a chave para tornar a tecnologia
saudável é ter certeza de que podemos usá-la para melhorar ou até mesmo
expandir nossas interações sociais e nossa visão do mundo ao invés de usá-las
para isolar e criar um mundo artificial. (PERRY)
Quando a escola utiliza os diferentes recursos disponíveis |
Acreditamos que os
ingredientes que colocamos nesse texto, podem ser de interesse para reflexão nas
escolas, nas famílias e entre escola e família, em torno do tema “tecnologias
para crianças de 3 a 6 anos”. E para finalizar, “apimentamos” um pouco mais a
conversa, citando as palavras do Dr. Eitan Grispun, americano, pesquisador em
modelos computacionais fundamentais para simulações e animações por computador,
e de modelagem geométrica:
A não ser que haja uma catástrofe
inimaginável, a tecnologia moderna preside e continuará a presidir a nossa
civilização no futuro próximo e pelo menos no futuro médio [...]. Para não se
alienar, para não se acomodar e para não perder sua humanidade, para usufruir
desse novo horizonte que se descortina, é preciso espírito crítico à própria
tecnologia.
Referências: